domingo, 18 de janeiro de 2009

O sol da tarde

(Konstantinos Kaváfis, tradução de José Paulo Paes)

Este quarto, este quarto eu o conheço bem.
Agora está alugado, assim como o vizinho,
para fins comerciais: a casa toda ocupam
escritórios de câmbio e vendas, companhias.

Ah este quarto, como me é familiar.

Ali, ao lado da porta, ficava o divã
com um tapete turco à sua frente;
na estante perto, dois vasos amarelos.
À direita, não, defronte, um armário de espelho.
Bem no centro, a mesa onde escrevia
e as três grandes cadeiras de palha.
Debaixo da janela estava o leito
onde tantas vezes nos amamos.

Pobres móveis, hão de ainda existir nalgum lugar.

Debaixo da janela estava o leito;
o sol da tarde lhe chegava até a metade.
Foi de tarde, às quatro horas, que nós dois nos despedimos
por uma semana só... uma semana,
ai de mim, que se fez eternidade.

Qualquer caminho leva a toda parte,
Qualquer caminho
Em qualquer ponto seu em dois se parte
E um leva aonde indica a estrada
Outro é sozinho.
(Fernando Pessoa)




sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Uma arte sem adjetivos, uma pintura sem ornamentos


O poeta grego Konstantinos Kaváfis (1863-1933) disse, certa vez, que arte é dizer tudo apenas com substantivos, pois o uso de adjetivos enfraquece a linguagem. Por isso sua poesia - com a qual me identifico profundamente - é seca, isenta de adjetivos, sem ornamentos.
Assim procuro fazer a minha pintura: direta, simples, essencial, substantiva.
A mostra Viagem, exibida na Galeria de Arte da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, em Belo Horizonte, e no Centro Cultural Yves Alves, em Tiradentes (MG), encontra algumas referências na poesia existencial e niilista de Fernando Pessoa:
“Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas”.

O mesmo Pessoa foi taxativo, em outro poema:

“Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça
O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido,
Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une,
A sensação de arrepio, o medo no novo, a náusea –
Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem alma,
Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem –
Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração.”

Eu poderia dizer que a inquietação sempre se infiltra no fundo do meu coração. E é essa inquietação que procuro transmitir nas minhas telas.

Airton Ribeiro