sábado, 14 de fevereiro de 2009

Arte e narrativa

Célia Cymbalista foi minha primeira mestra no fazer artístico, embora na época eu não ousasse mais do que uns toscos potes em cerâmica. Da cerâmica fui para a xilogravura (com Liria Palombini) e daí para a pintura (com João Quaglia).
Ou seja, passei do tridimensional para o bidimensional. Do abstrato (xilo) para o figurativo. Uma trajetória bastante peculiar, na contracorrente do que se faz hoje em arte. Mas é o que faço e gosto. Não saberia fazer instalações só para ser moderno.
Célia viu este blog e fez um comentário precioso: ”Embora sua pintura, de fato, não seja mesmo adjetivada, ela tem um aspecto narrativo - conta uma historinha. Livrando-se dos adjetivos e da narrativa, você pode ampliar as possibilidades do encantamento e da descoberta para quem entra em contato com seu trabalho.E é isso arte: abertura para o encanto.”
Penso que a decodificação da obra de arte é feita pelo observador. Cada um vê, ali, o que diz respeito a sua cultura, sua história de vida, sua formação, suas neuras, sei lá o que mais.
Não faço ilustração, pois não tenho o talento de um Gustave Doré. Evito particularizar, não conto uma história específica. Mas não há como impedir que o observador crie uma história a partir do que vê. É a história dele, a decodificação que ele faz, com seus elementos pessoais.
Quando pinto uma pilha de malas, eu apenas coloco tinta sobre uma tela branca Alguém verá apenas uma sucessão de planos e cores, superfícies cromáticas. Outro poderá ficar feliz, lembrando viagens de infância. Um terceiro poderá sofrer, frustrado com as viagens que não realizou. Esse o papel da arte: despertar o encanto a partir da visão de cada um.
Evitar isso quer dizer evitar qualquer identificação ou transferência. Qualquer interação do observador com a obra observada. É a chatice da arte abstrata. Linhas, manchas, borrões, superfícies. Pode até ser agradável. Mas em mim não desperta emoção alguma.

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